A DISCRICIONARIEDADE DO GESTOR NO QUE CONCERNE A EXIGÊNCIA DO EIA/RIMA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A NATUREZA POLÍTICA DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PARTE 4/6)


 Para ler este artigo em partes, clique nos links abaixo:
| Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 | Parte 6 |
Ou então clique aqui.


4 AS FONTES DO DIREITO
De acordo com Miguel Reale (2003, p. 2) a palavra Direito pode ser usada para designar tanto a realidade jurídica na qual estamos inseridos, o chamado Direito como fato social e histórico; quanto a ordem de conhecimentos jurídicos que o subsidiam, o denominado Direito como ciência ou Ciência do Direito. Mas independente de qual vertente estejamos tratando (fato social ou ciência) podemos dizer que o Direito corresponde

[…] à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidariedade […] não se podendo conceber qualquer atividade social desprovida de forma e garantia jurídicas, nem qualquer regra jurídica que não se refira à sociedade (REALE, 2003, p. 3).


Ainda segundo o autor, fonte do Direito é aquilo que está na sua origem, na sua motivação. Trata-se dos meios pelos quais as regras se positivam, se formalizam, sendo o Direito o resultado de um complexo conjunto de fatores (REALE, 2003, p. 140).

Já Rodrigues (2019) sinaliza que não há consenso na Ciência do Direito sobre quantas ou quais seriam essas fontes, mas a Quadro 1 abaixo mostra um compilado que, segundo o mesmo, se apresenta de forma bastante presente na literatura jurídica.
 

Quadro 1: Fontes do Direito.



 

 

 

Fonte: Adaptado de Rodrigues, 2019.


4.1. Doutrina Jurídica
Das fontes mostradas acima, vamos nos ater, neste momento, à Doutrina, pela sua importância em face a tese que neste trabalho está sendo defendida.

Maria Helena Diniz (2008, p. 323) explica que a Doutrina é formada pela atividade dos juristas, ou seja, pelos ensinamentos dos professores, pelos pareceres dos jurisconsultos, pelas opiniões dos tratadistas”. Trata-se do “resultado do pensamento sistematizado sobre determinado problema, com a finalidade precípua de ensinar, impondo […] um pensamento tido como correto por determinado ponto de vista ou grupo”.  Ela acrescenta também que a doutrina, enquanto resultado da atividade científico-jurídica, serve ao propósito de facilitar e orientar a aplicação do direito, adequando os dispositivos legais aos fins que devem ser perseguidos, mediante a emissão de “juízos de valor sobre o conteúdo da ordem jurídica” (DINIZ, p. 324, 325).

Por fim, Diniz adverte que alguns autores, como Paulo de Barros Carvalho, Miguel Reale e Abelardo Torré, não consideram a Doutrina como uma fonte do Direito. Sobre este último autor, ele a tem como fonte indireta, pois é produzida por quem não possui poder normativo conferido pelo Estado. Para ele, a Doutrina serviria apenas para auxiliar o juiz a sentenciar e o legislador a legislar ou emendar (DINIZ, p. 326).

Já Gustavo Felipe Barbosa Garcia (2015, p. 104) trás uma definição para Doutrina que em muito se assemelha a de Maria Helena Diniz, porém ele acrescenta de forma pormenorizada onde a mesma pode ser encontrada:

A doutrina é formada pelos ensinamentos e estudos dos juristas, professores e estudiosos do Direito, apresentando-se por meio de escritos em tratados, compêndios, manuais, monografias, teses e comentários. As obras da doutrina são dotadas de importância, ao procurar mostrar a interpretação do Direito, o que pode ser útil ao julgador [Poder Judiciário] e mesmo influenciar o legislador [Poder Legislativo].


As definições para Doutrina vistas até aqui dão conta de apontar a sua importância e aplicabilidade no âmbito dos Poderes Judiciário e Legislativo. Mas e quanto ao Poder Executivo? É possível a esse componente do Estado se basear em Doutrina para embasar os seus atos? Veremos adiante.
         
4.2. Princípios Jurídicos
Batistute, Senegalia e Spagolla (2009, p. 39) defendem que o estudo dos  princípios jurídicos, e em especial o dos princípios jurídicos do direito ambiental, é  algo fundamental por eles “servirem de orientação ao aplicador do direito enquanto intérprete das questões que envolvam o meio ambiente e sua tutela”.

Os autores ensinam ainda que a normativa jurídica é formada por princípios e regras; sendo as regras “comandos normativos objetivos que preveem uma situação fática e juridicamente possível, que controlam e determinam o agir de uma sociedade”.

Porém, no que diz respeito a conceituação de cada princípio, esses mesmos autores admitem existir, muitas vezes, uma dificuldade inerente, haja visto que os princípios “possuem um determinado grau de subjetividade e abstração, pois envolvem valores que variam conforme a época e a evolução da sociedade na qual se pretende sua inserção” (BATISTUTE; SENEGALIA; SPAGOLLA, 2009, p. 39).

Por fim, eles explicam que as regras não possuem a “margem de interpretação axiológica” dos princípios, “cabendo ao intérprete apenas a verificação de sua violação ou não”; enquanto que  os princípios “são núcleos informadores e orientadores das regras” (BATISTUTE; SENEGALIA; SPAGOLLA, 2009, p. 40).

4.2.1. Princípios da Prevenção e da Precaução
Os princípios são, como vimos, pressupostos formadores das regras ou que auxiliam na sua interpretação. Podem estar presentes de forma implícita ou explícita no ordenamento jurídico. Mas sendo tal ordenamento dividido em ramos, os chamados ramos do direito (do qual o Direito Ambiental é apenas um deles), há de se pressupor que determinados princípios dizem respeito, de forma exclusiva, à tutela ambiental. É o caso dos princípios da prevenção e da precaução:

Dessa forma, pode-se dizer que o princípio da prevenção trata de impactos já conhecidos pela ciência, levando em consideração hipóteses em que o risco é certo e o perigo é concreto. O princípio da precaução, por sua vez, destina-se a gerir riscos incertos e desconhecidos, indo além da prevenção e se preocupando com situações de perigo abstrato, em que existam suspeita de danos ambientais (BATISTUTE; SENEGALIA; SPAGOLLA, 2009, p. 50, sem grifo no original).


Paulo Afonso Leme Machado (2020, p. 125) observa que “deixa-se de prevenir por comodismo, por ignorância, por hábito da imprevisão, por pressa e pela vontade de lucrar indevidamente”. Ele também afirma que “o princípio da precaução, o qual requer a redução da extensão, da frequência ou da incerteza do dano […] é um seguro para o futuro[!]”.

Já Patrícia Lemos (2010, p. 174) adverte que “toda a ação do direito ambiental está voltada para uma tutela preventiva, pois a coação a posteriori revela-se ineficaz”. Ela também ensina que o princípio da precaução “começou a constar nos instrumentos legais internacionais somente em meados dos anos 80. Seu objetivo está em orientar o desenvolvimento e a aplicação do direito ambiental nos casos de incerteza”.

Portanto, em um processo de licenciamento ambiental, o princípio da prevenção – aplicado nos casos em que os danos advindos dos impactos causados por determinada atividade ou empreendimentos são conhecidos –  demanda do Gestor a exigência das medidas compensatórias e mitigadoras cabíveis. Já nas situações em que não há como determinar as consequências de um impacto negativo (ou que não se conhece todas elas), recomenda-se, com base no  princípio da precaução, a não realização da atividade ou empreendimento, até que novos estudos possam revelar suas consequências com precisão. 


(continua...)

 

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Márcia Bastos de. BARBOZA, Sérgio de Goés. TAVARES, Fábio Roberto. Ética, política e sociedade. 1ª ed. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 214.

AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. Live com o Professor Nildo Domingos Ouriques. Youtube, 26 abr. 2023. Disponível em: <https://youtu.be/FTeosQoID8g>. Acesso em: 16 mai. 2023.

BATISTUTE, Jossan; SENEGALIA, Vânya; SPAGOLLA, Morete. Legislação e Direito Ambiental: gestão ambiental. --: São Paulo: Pearson Education Institute, 2009.

BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcellos e. Os princípios do Estudo de Impacto Ambiental como limites da discricionariedade administrativa. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/8746>. Acesso em 28 mai. 2023.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001.

BORILLE, Tatiana. Limites da Discricionariedade Administrativa. Revista Âmbito Jurídico, São Paulo, 2021. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/limites-da-discricionariedade-administrativa>. Acesso em: 14 mai. 2023.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organizada por Cláudio Brandão de Oliveira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002.

BRASIL. Lei nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 19, dez. [2011]. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm>. Acesso em: 4 mai. 2023.

BRYCH, Fábio. Teoria geral dos atos administrativos no Direito Público brasileiro. Portal Âmbito Jurídico.  S.l.: s.n., 31 out. 2007. Disponível em:
<https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/teoria-geral-dos-atos-administrativos-no-direito-publico-brasileiro/>. Acesso em: 28 mai. 2023.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo – 10. ed. – São Paulo: Editora JusPODIVM, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 283-284.

DISCRICIONARIEDADE; DISCRICIONÁRIO. In: MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. S.l.: Editora Melhoramentos, 2023. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues>. Acesso em: 13 abr. 2023.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito: teoria geral do direito. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2015. E-book.

GHIRALDELLI, Paulo. O básico sobre subjetividade. Blog Paulo Ghiraldelli, 2023. Disponível em: <https://ghiraldelli.online/2023/05/19/o-basico-sobre-subjetividade/. Acesso em: 29 set. 2023.

GHIRALDELLI, Paulo. República Brasileira: de Deodoro a Bolsonaro. 2a ed. São Paulo: CEFA Editorial, 2021.

JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Direito Ambiental: Licenciamento Ambiental, Bloco 1. Universidade Cândido Mendes (Pós-graduação em Direito Ambiental e Urbanístico, Informação verbal), Rio de Janeiro, 2021a.

JUNGSTEDT, Luiz Oliveira Castro. Direito Urbanístico: Meio Ambiente Artificial II, Bloco 1. Universidade Cândido Mendes (Pós-graduação em Direito Ambiental e Urbanístico, Informação verbal), Rio de Janeiro, 2021b.

HASEMANN, Ariane Maria. Estudo de impacto ambiental e discricionariedade administrativa.: A usina hidrelétrica de Mauá. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2708, 30 nov. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17954>. Acesso em: 14 mai. 2023.

LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito Ambiental: Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 3ª ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

POLÍTICA. In: MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. S.l.: Editora Melhoramentos, 2023. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues>. Acesso em: 17 abr. 2023.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003.

Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Obra de impacto ambiental não precisa necessariamente de EIA/Rima. São Paulo: Conjur, 2014. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2014-nov-07/obra-impacto-ambiental-nao-eiarima-decide-trf>. Acesso em: 14 mai. 2023.

RIO DAS OSTRAS. Lei Complementar nº 005, de 26 de setembro de 2008. Institui o Código de Meio Ambiente do Município de Rio das Ostras, estabelece normas gerais para a administração da qualidade ambiental em seu território e dá outras providências. Disponível em: <https://www.riodasostras.rj.gov.br/wp-content/themes/pmro/download/leis-e-codigos/codigos/3.pdf>. Acesso em: 7 mai. 2023.

RODRIGUES, Lucas Amadeu Lucchi. Portal Jus.  S.l.: s.n., 29 nov. 2019. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/78184/fontes-do-direito-conceito-e-classificacoes>. Acesso em: 22 mai. 2023.

SOUZA, L. M. De. Parcerias entre a administração pública e o terceiro setor: sistematização e regulação. 2010. 288f. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

SOUZA, Vinícius Luiz de. A discricionariedade da licença ambiental. Revista Eletrônica JurisWay.  S.l.: s.n., 9 jan. 2015. Disponível em:
<https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=14303#mapa>. Acesso em: 16 mai. 2023.

TRENNEPOHL, Curt.  TRENNEPOHL, Terence. Licenciamento Ambiental. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2011.