DA RESTINGA AO MANGUEZAL: A PROBLEMÁTICA RELACIONADA À PRESERVAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA NO MUNICÍPIO DE RIO DAS OSTRAS (PARTE 2/2)

 
Dando continuidade às considerações sobre os desafios para a preservação da mata atlântica em Rio das Ostras (para ler a primeira parte deste artigo, clique aqui), vamos tratar, nos próximos tópicos, dos demais aspectos ambientais do município.

2.6 FAUNA
Há pouca informação disponível sobre as espécies da fauna que vivem na região e suas respectivas populações. Segundo SEA (2015), acredita-se que a fauna da região abrigue (grifos nossos):
 
Insetos e outros invertebrados terrestres e de água doce: milhares de espécies incluindo briozoários, insetos, vermes, minhocas, aranhas, escorpiões, opiliões, lacraias, centopéias, tatuzinhos, pitus, caranguejos, caramujos e os ameaçados "búzios terrestres". Algumas espécies de moluscos de água doce encontram-se ameaçados regionalmente de extinção. A maior biomassa é de formigas; Invertebrados Marinhos: milhares de espécies, com destaque para as esponjas, corais, águas vivas, caravelas, cracas, caranguejos, siris, camarões, lagostas, mexilhões, ostras, caramujos, lulas, polvos, poliquetas, estrelas do-mar, pepinos-do-mar e ouriços; Peixes de Águas interiores: 39 espécies de peixes na lagoa de Araruama, 31 na lagoa de Saquarema, 89 na bacia do rio São João, 48 na bacia do rio Una e 46 na bacia do rio das Ostras. Somente no rio São João vivem 32% de todas as espécies de águas interiores do estado do Rio de Janeiro. A piabanha do São João encontra-se ameaçada; Peixes Marinhos: seguramente mais de 400 espécies de peixes marinhos, das 622 registradas na costa do Estado do Rio de Janeiro, vivendo em águas costeiras, na superfície e a meia-água, assim como junto ao fundo de áreas rasas e profundas, destacando-se o tubarão baleia, o maior peixe do mundo, e vários outros como sardinha-verdadeira, sardinha laje, sardinha cascuda, peixe-galo, xerelete, robalos, cavalas, anchova, peroá, pargo, dourado, castanha, batata, garoupa, badejo, cherne, namorado, corvina, pescada, tainha, robalo, cações e raias, além de atuns (bonito-listado, albacora-laje, albacorinha, bonito-cachorro e bonitopintado); Sapos e Rãs: dezenas de espécies de sapos e rãs vivendo as margens de lagoas de água doce e açudes, em brejos, em bromélias, no chão de matas e restingas e na copa das árvores das florestas; Lagartos e Cobras: dezenas de espécies de lagartos e cobras habitando o sub-solo, o folhiço da floresta, os galhos e as copas das árvores, as restingas e campos e os ambientes aquáticos, destacando-se a jibóia, a jacararaca e a cobra d'água e dentre os lagartos, o grande teiú e a pequena e ameaçada lagartixa da areia; Cágados de Água Doce: de duas a três espécies de cágados de água doce, do qual se sabe muito pouco; Tartarugas Marinhas: cinco espécies de tartarugas marinhas (tartarugas de couro, de pente, oliva, verde e cabeçuda). A cabeçuda é a única que desova nas praias da região, sendo protegida pelo IBAMA através do Projeto TAMAR. Jacarés: presença do jacaré-do-papo-amarelo; Aves: seguramente, mais de 400 espécies de aves terrestres e aquáticas (de água doce e marinhas); Morcego, Roedores, Marsupiais e Coelhos: dezenas de espécies de morcegos, ratos e marsupiais silvestres, com destaque para as capivaras, pacas, esquilos, gambás, cutias, ouriço-caixeiro e cuícas. Uma espécie de coelho nativo - o tapiti; Mamíferos Carnívoros: cerca de uma dezena de espécies de carnívoros, reunindo pequenos gatos do mato, sussuarana, jaguarundi, jaguatirica, irara, lontra, furão, quati, guaxinim e cachorro do mato e mais mustelídeos, como a irara e o furão e provavelmente a lontra. A ariranha está extinta, assim como a onça [informação controversa]; Mamíferos de Casco: veado mateiro e o caititu. A anta e o porco-queixada estão extintos; Desdentados: preguiça comum, preguiça de coleira, tamanduá mirim e pelo menos duas espécies de tatus; Primatas: 5 espécies de primatas, incluindo o macaco-prego, o sauá, o sagüi da serra, o bugio e o famoso mico-leão-dourado, mundialmente conhecido e que vive somente na área e em nenhum outro lugar do mundo; Baleias e Golfinhos: cerca de 22 espécies. Algumas vivem permanentemente nas águas oceânicas da região, enquanto outros passam temporadas. Exemplos típicos do primeiro grupo são o boto-cinza e a toninha. As baleias mais comuns são a jubarte, a franca e a de Bryde, mas ocorre também a presença esporádica das baleias minke, sei, fin e azul. Esta última é o maior animal do mundo.
 
Dessas espécies, ainda de acordo com a Secretaria de Estado do Ambiente, cinco estão ameaçadas de extinção: a Preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus), o Muriqui, o Mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), o Formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis) e o Lagarto-branco-da-areia (Liolaemus Lutzae).
 
3. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), uma área protegida corresponde a um:
 
Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (BRASIL, 2000).
 
Ainda de acordo com o SNUC, as unidades de conservação dividem-se em dois grupos, com características específicas: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. O objetivo do primeiro grupo é "preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos [...] [na] Lei". Já as do segundo grupo objetivam “compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais” (BRASIL, 2000).
 
Rio das Ostras possui quatro Unidades de Conservação municipais, e duas Unidades de Conservação federais, como demonstrado nas figuras 1 a 12. As municipais são a Área de Proteção Ambiental da Lagoa do Iriri; a Área de Relevante Interesse Ecológico de Itapebussus; o Monumento Natural dos Costões Rochosos e o Parque Natural Municipal dos Pássaros. As UCs federais são a Reserva Biológica União (3.172ha) e a Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João – Mico Leão Dourado (141.521,48 ha). 
 
As UCs municipais estão voltadas para a conservação das lagoas, mangues, restingas e costões rochosos. A maioria localizada próximas às áreas urbanas consolidadas ou ainda localizadas em área de expansão urbana do município, como é o caso da ARIE de Itapebussus. As federais situam-se na área rural do município e são as responsáveis por assegurar a conservação dos fragmentos mais significativos, com possibilidades de conexão para a formação de corredor. Cerca de cinquenta e dois por cento da área da Reserva Biológica União encontra-se no Município de Rio das Ostras e cerca de dez por cento da APA São João MLD, também (PREFEITURA DE RIO DAS OSTRAS, 2016).
 

Figura 1: Mapa do limite territorial da APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.

Fonte: Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, 2008.
 

Figura 2: Imagem de satélite do limite territorial (em vermelho) da APA da Bacia do Rio SãoJoão/Mico-Leão-Dourado.

Fonte: Google Earth.
 

Figura 3: Mapa de zoneamento da APA da Lagoa do Iriry.

Fonte: Prefeitura de Rio das Ostras, 2016.
 

Figura 4: Imagem de satélite do limite territorial (em verde) da APA da Lagoa do Iriry.

Fonte: Google Earth.
 
Figura 5: Mapa de zoneamento da ARIE de Itapebussus.
Fonte: Prefeitura de Rio das Ostras, 2016.
 

Figura 6: Imagem de satélite do limite territorial (em verde) da ARIE de Itapebussus.

Fonte: Google Earth.
 

Figura 7: Mapa de zoneamento do Monumento Natural dos Costões Rochosos.

Fonte: Prefeitura de Rio das Ostras, 2016.
 

Figura 8: Imagem de satélite do limite territorial (em verde) do Monumento Natural dos CostõesRochosos.

Fonte: Google Earth.
 

Figura 9: Mapa de zoneamento do Parque Natural Municipal dos Pássaros.


Fonte: Prefeitura de Rio das Ostras, 2016.
 

Figura 10: Imagem de satélite do limite territorial (em verde) do Parque Natural Municipal dos Pássaros.

Fonte: Google Earth.
 

Figura 11: Mapa do limite territorial da Reserva Biológica União.

Fonte: Plano de Manejo da Reserva Biológica União, 2008.
 

Figura 12: Imagem de satélite do limite territorial (em azul) da Reserva Biológica União, em sobreposição com o limite territorial (em vermelho) da Área de proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado.

Fonte: Google Earth.
 
4. FRAGILIDADES AMBIENTAIS DA REGIÃO
Como demonstrado em SEA (2015), a partir da década de 1970, uma série de fatores, incluindo a inauguração da Ponte Rio-Niterói (1973), começou a impulsionar o turismo de massa na região. Até então, Rio das Ostras era frequentada por poucos privilegiados e praticantes de esportes náuticos. Progressivamente tal perfil foi mudando e passou a se constituir, a região, em local de atração turística para cariocas, mineiros e paulistas; de instalação de casas de praia; de clubes náuticos; de diversões noturnas; de hotéis; de restaurantes e; de serviços comerciais. Até tornar-se palco de um avassalador turismo de massa e a sofrer os problemas dele advindos:
 
O lado positivo deste turismo é representado pelo desenvolvimento das atividades terciárias e significativa oferta de empregos temporários e definitivos. O negativo é exemplificado com a ocupação irregular do solo, depredação do patrimônio ambiental, pressão imobiliária para ocupação de zonas de preservação, favelização das áreas de preservação ambiental e de risco. Muitos loteamentos são desta época, nos anos 70 e 80 [...] [Tudo] isso se evidenciou ainda mais nas regiões de petróleo e gás natural e na região industrial do Médio Paraíba e na Urbano-industrial [...] Na década de 80, a descoberta e a exploração de petróleo na chamada Bacia de Campos abriram nova e intensa frente de desenvolvimento regional. O início da exploração de petróleo e gás na Bacia, a partir de 1987, fez de Macaé importante base de sua logística de exploração e um novo centro regional que influencia o dinamismo de todos seus vizinhos no entorno (SECRETARIA DE ESTADO DO AMBIENTE, 2015).
 
Ou seja, o fluxo migratório interestadual atraído pelos royalties do petróleo; o aumento da violência da metrópole fluminense, com profundas alterações no cenário imobiliário local; a precariedade dos serviços de saneamento nos municípios da baixada litorânea; e a ocupação do território de forma desordenada, contribuíram diretamente para o agravamento da pressão sobre a região. Tudo isso propiciou uma grande degradação dos recursos naturais, principalmente das águas. A contaminação e a consequente perda da qualidade dos corpos d'água também gerou consequências sociais e econômicas graves. Soma-se a isso a instalação, na década de 1990, da Zona Especial de Negócios – ZEN – acarretando a vinda de quase uma centena de empresas ligadas à indústria do petróleo para o Município, ampliando o mercado de trabalho, mas também disparando o número de habitantes.
 
Tal estado de coisas torna-se ainda mais preocupante se considerarmos que o município se desenvolve sobre uma complexa rede de rios, canais e córregos, imerso em três bacias hidrográficas, o que configura uma delicada dinâmica hídrica. Para muitos, tal dinâmica “não foi considerada no processo de ocupação do município, acarretando impactos sobre [seus] principais rios” (PREFEITURA DE RIO DAS OSTRAS, 2015).
 
Todos os fatores supracitados tem contribuído para colocar em risco a conservação de fragmentos de Mata Atlântica no município (principalmente no que diz respeito a vegetação de restinga), o que inclui a alta valorização de terras e lotes na área urbana e periférica, levando a população de baixa renda para as margens de núcleos urbanos, obrigando-as a invadirem áreas verdes e terras públicas. A morosidade do INCRA na regularização de assentamentos para fins de reforma agrária na região de Cantagalo (considerada turística, enquanto zona rural, mas que para o poder público trata-se de zona de expansão urbana), também tem gerado diversos problemas, entre eles a dificuldade de averbação das Reservas Legais em algumas áreas. “Na área rural do município há ainda loteamentos aprovados na década de 1970, que mantêm os mesmos padrões de ocupação daquela época” (SEA, 2015).
 
5. ACIDENTES AMBIENTAIS
A manipulação de materiais perigosos é sempre um risco, tanto para o meio ambiente, quanto para os públicos interno e externo. Até o início da década de 1970, a questão de acidentes ambientais na indústria era tratada unicamente no âmbito das empresas, sem maiores interferências externas do governo, onde as metas tinham que ser atingidas "a qualquer custo". Foi justamente nesse período que os acidentes de grande repercussão começaram acontecer. A explosão na Refinaria de Duque de Caxias, em 1972, no Rio de Janeiro, quando um vazamento de GLP (gás liquefeito do petróleo) deixou 38 mortos e vários feridos, é um bom exemplo (MORGADO, 2002).
 
Outro exemplo mais recente foi o acidente de perfuração ocorrido no Golfo do México, em 20 de abril de 2010, quando 11 trabalhadores foram mortos e 17 ficaram feridos com diferentes níveis de gravidade, por conta da explosão que abalou a BP Deepwater Horizon. Antes da catástrofe ambiental terminar, 200 milhões de litros de petróleo haviam sido liberados no oceano, contaminando e matando milhares de animais. Os efeitos do vazamento estão presentes até hoje, inclusive com impactos socioeconômicos, como a perda de dezenas de bilhões de dólares das indústrias da pesca e do turismo da região (GREENPEACE BRASIL, 2015).
 
Na Região Norte Fluminense, o Polo Petroquímico da Bacia de Campos se consolidou, nos últimos anos, como a principal atividade econômica dos municípios envolvidos, com potencial real de risco para toda a Região dos Lagos, tanto do ponto de vista ambiental, quanto de segurança.
 
CONCLUSÃO
Os maiores fragmentos de Mata Atlântica do município, considerados, portanto, estratégicos para a consolidação de corredores ecológicos, não são hoje Unidades de Conservação da Natureza (UCs). Assim sendo, faz-se necessário, por parte do poder público municipal, diagnosticar as causas, conflitos e tensões que acarretam esta fragmentação, propondo medidas que promovam a conectividade, seja por meio de desapropriações ou incentivos fiscais para a formalização de RPPNs. Parcerias com outros órgãos da União, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), poderia estender os limites territoriais da Reserva Biológica União, ajudando a promover a integração desses fragmentos.
 
A qualificação da gestão das Unidades de Conservação municipais existentes também se faz necessária. Hoje as mesmas não contam com sedes administrativas, fiscalização adequada, medidas de prevenção e combate a incêndios (principalmente a Arie de Itapebussus) e ações de educação ambiental para estudantes e turistas. O potencial dessas UCs, se explorado de forma racional e sustentável, poderia inclusive gerar receitas para o município.
 
Outra demanda diz respeito à revisão da Lei Complementar Municipal nº 1470/2010, que instituiu a área conhecida como ZEIMA. As últimas alterações sofridas por essa lei tem representado verdadeiros retrocessos do ponto de vista ambiental, contrariando inclusive o Plano Diretor do Município.
 
Por fim, faz-se necessária uma revisão urgente do Plano Diretor do município, a fim de adequá-lo à dinâmica ambiental da região e promover uma condição adversa à pressão imobiliária que tem trazido tantos problemas à cidade.
 
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm>. Acesso em: 9 mai. 2016.
 
SECRETARIA DE ESTADO DO AMBIENTE (SEA). Plano Municipal de conservação e recuperação da Mata Atlântica no Município de Rio das Ostras. Rio de Janeiro: [S.l.: s.n.], 2015. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/12HYUrLJLIb3IhYlUywQsTYRZEHyxCiK-/view>. Acesso em: 28 jul. 2022.
 
COMITÊ DE BACIA LAGOS SÃO JOÃO (CBLSJ). Plano de Bacia Hidrográfica da Região dos Lagos e do Rio São João. Araruama: [S.l.: s.n.], 2005.
 
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio). Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado. Rio de Janeiro: [S.l.: s.n.], 2008.
______. Plano de Manejo da Reserva Biológica União: Contextualização da Unidade de Conservação. Rio de Janeiro: [S.l.: s.n.], 2008.
 
GREENPEACE BRASIL. Desastre no Golfo do México completa cinco anos, 2015. Disponível em: < http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Pior-vazamento-de-petroleo-completa-cinco-anos/>. Acesso em: 16 mai. 2016.
 
MORGADO, Cláudia do Rosário Vaz. Elementos de segurança ambiental. Rio de Janeiro: Fundação Bio-Rio, 2002. 80p.; 21 cm.

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