NOTAS SINGELAS SOBRE A HISTÓRIA RECENTE DO CAPITALISMO MUNDIAL E BRASILEIRO


O texto abaixo é uma narrativa sobre um período histórico ou tema, e não uma tentativa de explicação fechada das coisas. Narrativas existem aos borbotões e é bom lembrar que nem sempre uma precisa anular a outra.



[1] 1929, 1930. "Grande Depressão Econômica". Crise de superprodução. Começa nos EUA e se torna mundial. Não há consumo suficiente porque as pessoas ganham pouco.

[2] A tentativa de saída dessa situação é dificultada. Tem-se um monte de coisas "perdidas" porque não há como vendê-las. O desemprego advindo disso agrava o cenário. Então, para vencer essa primeira crise mundial do capitalismo, surge nos EUA dois movimentos: um de vertente mais à esquerda e um outro, o New Deal. Este segundo, que acaba vingando, propõe um acordo entre governo, empresários e trabalhadores, para que o pouco de imposto disponível nos cofres públicos seja carreado para as frentes de trabalho. A ideia é que o empresariado passe a aceitar os sindicatos, que por sua vez passariam a aceitar salários mais condizentes com aquela realidade. Paralelamente a isso, houve uma ampliação do investimento da Mais-Valia Social no trabalhador, mediante ampliação de serviços públicos como escolas, hospitais, previdência social etc.

[3] Ou seja, cria-se, nos EUA, um grande aparato de seguridade social, incluindo leis trabalhistas, direito de greve etc. O país começa a sair da crise.

[4] Vem a Segunda Guerra Mundial. EUA entram no conflito, mas já não tanto em crise. Saem da guerra vitoriosos, com a indústria produzindo e a população economizando por conta do esforço de guerra. Sobra produção da indústria bélica, que se reorganiza. Os EUA entram com o Plano Marshall.

[5] Plano Marshall: EUA despejam dinheiro na Europa, Ásia e América Latina, para a "reconstrução do mundo". Explosão de empregos. Sindicatos funcionando. É o nascimento do Estado de Bem-Estar Social (Walfare State). Direitos trabalhistas vingando, capital ganhando e o American Way Of Life, o "modo de ser e viver" da classe média americana no capitalismo, torna-se o grande modo de vida.

[6] O American Way of Life foi um "movimento" ou uma fase do capitalismo, que veio para se contrapor a uma outra via: o socialismo. Esse período é chamado de "30 anos de ouro do capitalismo".

[7] Nesse período, o dólar se torna a moeda do mundo. Ela substitui o ouro, porque seu valor está agregado a essa commoditie. Existe uma reserva de ouro nos EUA (Fort Knox) que corresponde ao valor da moeda a nível mundial. O dinheiro tem lastro, que dá o padrão da moeda. Esse lastro é a mercadoria ouro.

[8] Mesmo com a boa fase do capitalismo, a chamada "luta de classes" ("o motor da história"), não para! E os trabalhadores do ocidente vão pedindo mais e mais. Então o Estado de Bem-Estar Social, tanto na Europa, quanto nos EUA, começa a se ampliar. Ao ponto dos estados nacionais passarem a gastar mais do que arrecadam, de modo que começam a se endividar para prover as reivindicações dos trabalhadores. E assim o fazem para mostrar que o capitalismo é melhor que o socialismo. A dívida americana e de outros países cresce demais. E o Estado de Bem-Estar Social entra em crise.

[9] Não só o endividamento dos estados nacionais gera essa crise. Mas também as guerras no oriente médio, a corrida armamentista, a crise do petróleo etc.

[10] Richard Nixon, com a atual crise do capitalismo, deixa a porta aberta para o neoliberalismo, nos moldes do Consenso de Washington, instituindo uma política de nova relação com os seus credores, que são os bancos estrangeiros. Sem contar que o dinheiro que os EUA investem em outros países elevam, acima dos EUA, a capacidade de produção desses países. EUA mais importam do que vendem. Isso na década de 70. Entre esses países, podemos citar o Japão, a Alemanha e alguns da Europa. Ou seja, a balança comercial não estava favorável para os Estados Unidos.

[11] Richard Nixon: a solução para o problema do endividamento americano se deu pelo fim do "padrão ouro". Ou seja, o dólar perdeu o lastro, seu valor passou a se basear em outros critérios, geralmente especulativos, em que passa a pesar mais o conjunto das riquezas produzidas nos EUA. Então se as dívidas americanas existiam em dólar, o governo Nixon passa a atribuir ao dólar o valor que lhe convém. EUA se reequilibra.

[12] Com isso, temos o início de uma coisa chamada "câmbio flutuante": o valor do dólar é determinado pelo BC americano. Esse valor muda a cada dia, por critérios não muito claros e o mundo precisa então passar a se adaptar a esse novo câmbio (flutuante).

[13] O imperialismo americano assume um novo modo de operação: primeiro "vai o dólar" e depois, as armas. O dólar passa a ser o padrão mundial das moedas e todos nós passamos a participar disso direta ou indiretamente. Uma economia baseada num dólar sem lastro, que oscila ao sabor do BC americano.

[14] O câmbio flutuante gera vários problemas, tanto para quem vende, quanto para quem compra. Por conta disso surge a chamada "economia de papéis podres" ou negócio de títulos de dívidas, pois com negociações feitas em dólar, nunca se sabe quanto estará valendo uma dívida em determinada data. Cresce então o mundo financeiro e o capitalismo especulativo (ou financeiro) passa a ser mais rentável que o capitalismo produtivo. Também cresce o mercado de seguro, pois os credores, no receio de não receberem, passam a fechar com seguradoras.

[15] Os próprios estados nacionais passam também a fazer empréstimos e a comprar esses títulos de dívidas. E eles mesmos passam a fazer dívidas e a vender títulos de dívidas. E fazem isso também para enxugar o caixa dos bancos, para que os bancos não "soltem dinheiro na praça" e "criem inflação". Essa é a base da maior parte da dívida pública de muitos países, inclusive a brasileira (como já falamos em uma série de artigos aqui do blog). Esse mesmo mecanismo gera uma outra financeirização, que é a da compra/venda de títulos do Estado (o Estado tem uma dívida com "B". "B" vende essa dívida para "C"). Ou seja, não há dinheiro, há papéis. Um capital fictício.

[16] Muitos acreditam que para que o dinheiro tenha valor, é preciso que ele seja gerado por mercadoria, que por sua vez é gerada pelo trabalho. É o trabalho que confere valor às coisas. Quando se tem uma situação em que dinheiro gera dinheiro, não há valor embutido. Produção X Financeirização. Chega-se a um ponto em que o próprio produtor perde interesse pela produção e passa a ter mais pela financeirização, pois no mercado financeiro é possível ganhar mais. O capitalismo produtivo perde espaço para o capitalismo financeiro.

[17] Os neoliberais dão suporte técnico a essa nova forma de capitalismo, por acreditar ser esse um "mercado livre" que atua sem restrição. E as constituições dos países vão se adaptando a essa nova forma de capitalismo. No Brasil, o governo Fernando Henrique tirou da CF as cláusulas que regulavam o mercado financeiro. Especulação financeira: nosso dinheiro gira sem valor, pois não há produção. Então cresce o emprego nos bancos e seguradoras. Os trabalhadores se deslocam das fábricas. É um capitalismo do desemprego, da diminuição do consumo, da diminuição da produção, da desindustrialização, da evasão de divisas para paraísos fiscais. Neste cenário, as crises cíclicas são inevitáveis.

[18] O Brasil se enreda nesse processo. Governos Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Bolsonaro não tentam mudar essa realidade. Uns porque não querem. Outros por não acreditar ser possível. Trata-se de uma questão mundial. A "cartilha neoliberal" é seguida por todos eles.

[19] No caso do governo Lula, talvez por este pertencer ao campo da esquerda, a diferença é que, impulsionado pelo valor alto das commodities, ele emprega tal superavit na valorização do salário mínimo, sem precisar mexer com o capitalismo financeiro ("milagrinho brasileiro", Laura Carvalho), aliado ao Bolsa Família, aos programas sociais e também ao PAC. Tudo isso melhorou, em muito, a vida dos mais pobres.

[20] Veio o governo Dilma, que pega a crise financeira de 2008 e a baixa na venda das commodities para a China. Também pelo fato dela achar que os empresários não iriam apoiá-la, como apoiaram o Lula, começa a enxugar o Estado (medidas de austeridade) e a desonerar os imposto das indústrias, o que diminui a arrecadação e os programas sociais sofrem um baque. Seu "governo social", enfraquecido, fortalece o setor financeiro, que resolve cobrar a dívida pública. O estado passa a privatizar e a retirar da previdência. Tudo isso abre espaço para o impeachment.